Mensagem do Presidente Mahmoud Ahmadinejad

هذا هو الذهاب الى ليونة الغاية ، إيه!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Seu Mário e as Babosas


Seu Mário era um homem feliz. Funcionário público aposentado há mais de 15 anos, sua vida agora girava em torno das babosas. Ele tinha um plantação enorme no quintal, além de ter dentro de casa compressas, extratos, polpas e um sem número de produtos derivados da “planta milagrosa”. Segundo Seu Mário, babosa era bom pra tudo: cortes, machucados, frieiras, furúnculos, espinhas e até pra rejuvenescer a pele. Também era ótima pro cabelo: Seu Mário acordava usando babosa como shampoo e até hidratando seu já alvo e respeitoso bigode com polpa de babosa. Dona Vera, a esposa, contava que essa fixação com as plantas havia começado em uma visita que seu Mário fizera a uma comunidade que vivia isolada no interior do interior do estado. Tinha ido a trabalho, verificar a situação legal das terras da região. Mas no fim ficou amigo dos moradores, que lhe explicaram como era viver na comunidade, os conceitos de sustentabilidade que usavam e... as beneces da babosa. Seu Mário passou a falar sobre a babosa todos os dias, no café, no almoço na janta. Comprou livros de ervas medicinais, revirou sebos atrás de materiais antigos. E claro, tratou de “limpar” uma bela parte da horta que tinham em casa para abrir espaço para as babosas. Dona Vera, obviamente, ficou uma arara quando descobriu que entre as coisas “inúteis” que Seu Mário tinha dado cabo estavam alguns pés de tempero e todas as flores que ela cultivava com amor materno já há anos. Mas pior ainda foi a resposta do marido quando ela foi se queixar das flores. Seu Mário foi categórico.

-Isso é uma horta, não um jardim.

Essa simples frase rendeu 3 dias de silêncio na casa, além de olhares fulminantes. Depois deste começo com o pé esquerdo Dona Vera nunca foi grande fã das babosas. Menos ainda quando o seu Mário se aposentou e usou boa parte das enconomias pra transformar metade do quintal em mais viveiro para as babosas. Mas tolerava.

-Quem ama tolera, minha filha. Mas às vezes eu tenho vontade de pegar essas babosas e enfiar tudo no...

Dona Vera não completava a frase em respeito ao marido, mas mesmo assim divertia as filhas. Elas também achavam que a fixação do pai pelas babosas era meio exagerada, mas entendiam que era positivo o pai ter alguma ocupação. Já o cunhado do Seu Mário... Não que a relação dos dois chegasse a ser belicosa, mas o Gerson não perdia a oportunidade de fazer troça com o cunhado. Eram frequentes as piadas envolvendo termos como “baboseira” e “barbosinha”. Mas a história preferida do Gerson era outra. E ele fazia questão de não deixar a família esquecê-la por um só dia, relembrando sempre às gargalhadas. Acontece que certa feita seu Mário estava com hemorróidas. Antes mesmo de ir no médico ele começou seu tratamento padrão para qualquer mal cutâneo ou capilar: aplicação de compressas de babosa. Ante o efeito mínimo Seu Mário passou a aplicar babosa diretamente na área afetada, sem intermediários. Ainda descontente com o resultado, e já pressionado pela mulher a procurar um médico, Seu Mário calculou que precisava do elemento curador presente na babosa em seu estado mais puro e vivo, e resolveu apelar. Em uma tarde de segunda, ele se certificou de estar sozinho em casa, foi para o canteiro e descascou uma folha de babosa sem tirá-la da planta. Tudo não passaria de uma tentativa frustada, não fosse o Gerson chegar bem na hora em que o Seu Mário estava olhando cuidadosamente pros dois lados, arriando a calça e sentando nas folhas descascadas e úmidas da babosa. Gerson, que estava fresteando a cena de dentro de casa sem ser visto, se segurou o quanto pode. Pra piorar Seu Mário ainda mexia o quadril, como que para tentar encaixar melhor e fazer com que as folhas alcançassem o seu... objetivo. Vendo isso Gerson gargalhou, e um assustado Seu Mário entrou em casa, ainda tratando de subir a calça. Desde aquele dia, toda vez que um problema de saúde acometia um membro da família, algum gatuno quase que imediatamente gritava o tratamento: “Senta na babosa!” E todos riam. Exceto Seu Mário.

De toda a família, a única que compreendia e respeitava Seu Mário era sua neta única, Camila. Camila adorava o avô desde pequeninha. Seu Mário a mimava, levava para passear, dava doces, efim, fazia o que todo bom avô faz de melhor: deseducava. O resultado disso foi que a pequena não só adorava Seu Mário, como também confiava em tudo o que ele lhe ensinava. Camila cresceu acreditando no poder da babosa. Sempre que se machucava, cortava, ralava, lá vinha o vovô com a babosinha. Ninguém se opunha, afinal aquilo parecia ter um poder calmante muito eficiente sobre a menina. Camila percorreu a adolescência passando babosa nos cabelos, nas espinhas e até nas celulites. Ela rezava piamente a cartilha de seu avô.

-Babosa é bom pra tudo.

Os anos passaram, Camila fez vestibular e passou para Farmácia, faculdade que cursou com afinco. Ao se aproximar do final, Camila precisava decidir o tema da sua monografia. Indecisa, foi se aconselhar com Seu Mário, que deu a ela a idéia óbvia: testar os poderes curativos da babosa. Claro! Camila teria matéria-prima de sobra, e os experimentos não seriam difícies de conduzir. Estava decidido, Camila ia fazer sua monografia com a babosa. Seu Mário chegou a se comover com o momento. Deu um abraço emocionado na neta, que também se emocionou e prometeu que o seu trabalho ia comprovar pro resto da família o que eles já sabiam. Babosa é bom pra tudo! E riram, felizes.

Os meses passaram, os experimentos de Camila foram planejados e excutados com alto rigor científico. Mas os resultados começavam a preocupá-la. Nenhum efeito significativo como bactericida, fungicida, anti-inflamatório, analgésico ou cicatrizante. Nada. Quando indagada pelo avô, Camila desconversava, dizia que os experimentos eram longos e que os resultados iam demorar a sair. Mas a verdade é que o estudo chegou ao fim sem nenhum indicativo de que a babosa pudesse ter algum princípio ativo eficaz para o tratamento dos males da pele. Camila estava arrasada. Não apenas frustrada em ter acreditado e defendido a vida inteira algo que não funcionava, mas destruída só de imaginar a cara do avô quando soubesse o resultado dos seus estudos. Sofria tanto em pensar na cena que tomou uma decisão drástica: mentiria ao avô. “Ele nunca vai ler a monografia, de qualquer jeito”, pensou.
O plano teria dado certo. Seu Mário nunca chegou a ler a monografia mesmo. Mas não deu. Era o dia da defesa de Camila, ela estava uma pilha. “Resultados negativos também são ciência”, ela tentava se convencer mentalmente. Pai e mãe tinham comparecido, pra dar uma força, mas isso não estava ajudando muito. E como nada está tão ruim que não possa piorar, faltando 5 minutos para o começo da sua apresentação, eis que surge o Gerson, sorridente, com o Seu Mário pelo braço. “Meu Deus, e agora???”. Camila sabia que era de propósito: “o Gerson deve ter ouvido da mãe que eu descobri que babosa não funciona, trouxe o vô só pra tripudiar”. Odiou o Gerson com todas as suas forças. Mas não havia mais nada que ela pudesse fazer. Mandar o avô pra casa? Simular um desmaio? Não, nada ia adiantar. Foi. Mesmo nervosa, Camila apresentou o trabalho, muito elogiado pela banca. “Gostaria de te parabenizar pela tua coragem na forma de apresentar o trabalho, por que resultados não significativos também fazem parte da ciência”, uma das professoras falou. Mas a decepção nos olhos do Vô Mário foram de cortar o coração.

Seu Mário passou semanas introspectivo, e a família respeitou o luto. Nem o Gerson fazia mais suas tradicionais piadinhas, que agora tinham perdido a graça. Quase um mês depois, Seu Mário tomou uma decisão drástica. Acordou, tomou café e se desfez de tudo que era ou lembrava babosa. Jogou fora as garrafas com extratos e polpas que ficavam na geladeira e, claro, arrancou todos os pés de babosa do quintal. No mesmo dia, Seu Mário avisou Dona Vera que passaria uns dias naquela comunidade que ficava no interior do interior do estado. Precisava espairecer. Dona Vera compreendeu que o marido precisava daquilo e desejou-lhe boa viagem. Ela havia ficado muito triste com o abatimento do marido, mas depois de alguns dias não pode esconder um certo alívio com o fim daquela fixação. A geladeira finalmente tinha espaço para comida, e até o quintal ficou mais bonito, limpo. Dona Vera não perdeu tempo e encheu os canteiros de flores novamente, querendo mostrar ao marido, quando ele voltasse, que a vida continuava. Mas os dias passaram, e nada do Seu Mário voltar. Já havia uma certa preocupação no ar. Ele não tinha celular, e ninguém sabia onde afinal ficava a tal comunidade. No sétimo dia já estavam todos reunidos, preocupados, pensando em que medidas tomar, chamar a polícia, os bombeiros, o bispo, enfim. Camila morria de remorso e amaldiçoava o dia em que aceitara a brilhante ideia de estudar as babosas. Mas quando já estavam todos apavorados e as mulheres já ensaiavam as primeiras lágrimas, eis que surge o carro do Seu Mário. Alívio geral, lágrimas de felicidade. Triunfante, Seu Mário surge na porta com um sorriso no rosto e uma mudinha na mão. Abraços, beijos, “papai, assim você nos mata de preocupação”, “nunca mais faça isso”.

-Mas o que é que é essa mudinha na mão, pai?

-Ahhh, vocês não vão acreditar. Alguma vez eu já falei pra vocês sobre todas as beneces da Ginko biloba?

“E lá se vão minhas flores de novo”, pensou dona Vera.